O Céu da Campina foi fundada em 11 de outubro de 1994, esses dias de 2019 a Campina está prateada, pelos 25 anos de trabalhos na doutrina do Santo Daime. São histórias de vida que se entrelaçam com a história desse Céu, um foco de expansão da luz, da força e ao som dos hinos inspirados na força da floresta. O título deste texto, assim como breves considerações tecidas, remete as falas transcritas com a peculiaridade das pesquisas baseadas na história Oral, um método que valoriza a produção da história por quem a viveu, e adequada à história recente ou presente e mesmo quando inexiste fontes escritas sobre o que se quer registrar, são fragmentos da dissertação intitulada “Memória do Santo Daime na Paraíba: 20 anos de histórias ao som e na luz da Floresta” defendida em 2014 no mestrado em Ciências das regiões da UFPB.
A formosa aniversariante de teto embandeirado, tem papel central nessa história, que começa um pouco antes “desta data querida”. Quando chega a Paraíba, na década de 1990 o Santo Daime já tinha igrejas, centros e pontos de trabalhos por todo o país e estava em pleno processo de expansão para fora do Brasil, firmando alianças e levando esse remédio da floresta, aonde as condições do tempo fossem abrindo os caminhos para a colheita do povo, ou mesmo dos povos, tendo em vista a diversidade que se soma aos seguidores do Padrinho Sebastião.
Para que a história a que damos vivas reacenda mais em nossas memórias a conexão com nossas raízes ancestrais, elevo os ritos e celebrações dos 25 anos do Céu da Campina, que foi a primeira igreja do Santo no Nordeste, para valorarmos a lembrança da forte marca da cultura nordestina no Santo Daime. Os costumes e crenças levados pelo fundador Raimundo Irineu Serra e os primeiros seguidores desta religião brasileira, surgida em meados de 1930, em Rio Branco, Acre, e as gerações seguintes, ganhou ainda mais força e significado quando, no processo de expansão liderado pelo padrinho Sebastião Mota de Melo, amazonense, as raízes nordestinas são novamente fortalecidas pela presença da Madrinha Rita e sua família.
A influência do nordeste no Santo Daime está nos ritmos musicais, nas fardas, fitas e cores que remetem as festas maranhenses, nas relações de compadrio, na alimentação. Os costumes nordestinos estão presentes nas crenças, pela devoção aos santos do catolicismo popular e dos reinos espirituais encantados, expressados nos hinos, e nas práticas rituais dessa religiosidade ayahuasqueira brasileira.
Ayahuasca é um, entre tantos nomes dados a essa bebida de vários usos cerimoniais indígenas e não indígenas, para fins de cura, busca de experiências religiosas e espirituais e estados mentais expandidos de alcance visionário é uma beberagem de plantas sagradas de uso imemorial, ou seja, não se tem como datar desde quando as populações amazônicas a utilizam, e mais envolto em mistério ainda é como se descobriu a alquimia entre as plantas que resulta na força da ayahuasca, daime ou vegetal. No Peru seu uso é tão importante para os povos daquele país que a bebida sagrada já é considerada há muito tempo patrimônio imaterial da cultura daquela população. Enquanto no Brasil são reconhecidos os usos tradicionais indígenas e as religiões após várias investigações pesquisas e dossiês tem o uso assegurado também pela liberdade de culto vigente.
Interessante notar, que o fenômeno do surgimento das chamadas grandes religiões ayahuasqueiras é particular aos usos brasileiros. E os fundadores das três, são nordestinos: Mestre Irineu (1890-1971), fundador do Santo Daime e Mestre Daniel (1888-1958), seu seguidor e fundou a Barquinha em 1945, religião que também surgiu em Rio Branco, Acre, por volta de 1941, são Maranhenses, e Mestre Gabriel fundador (1922-1971) que fundou a União do vegetal em 1961, é natural do estado da Bahia.
E incontáveis são os novos grupos e usos dessa bebida sagrada. Muitos desses novos grupos nascem de vertentes que fluem dessas primeiras religiões citadas e também os usos tradicionais indígenas, principalmente Yawanauás e Huni Kuin passam por revitalizações culturais e dão início a um processo de difusão das “medicinas da floresta” e viajam realizando rituais para populações urbanas e até são abertos centros culturais nas cidades que remetem a essas tradições de usos de plantas sagradas. De certo modo, esse movimento dos povos da floresta aumenta na ultima década a procura pelas igrejas do Santo Daime, por terem um calendário de trabalhos intensos e a disponibilidade religiosa de atender a todos que o Daime procurar, como instrução dada pelo Padrinho Sebastião a seus seguidores.
O Céu da Campina é uma referência na tradição ayahuasqueira do Santo Daime no Nordeste. Sejam entre daimistas, irmãos e irmãs de outras casas e igrejas que se unem nos dias festivos de hinários e para os feitios, e mesmo viajantes de outras religiões ou pessoas não religiosas, buscadores de experiências espirituais ou interessados no poder enteógeno do daime, todos e todas são acolhidos e apresentados a luz do Santo Daime.
Nesses 25 anos muitas irmãs e irmãos chegaram e foram embora, seguindo o curso natural da vida, e alguns que não podem estar sempre presentes por morarem em outras cidades e também terem abertos pontos e igrejas onde se estabeleceram retornam para visitar a casa em oportunidades propícias. Visitando as igrejas pelo Brasil, e mesmo em espaços inusitados, encontramos pessoas que já visitaram, freqüentaram um tempo, tomaram o daime a primeira vez e mesmo que se fardaram no Céu da Campina.
O batalhão de soldados da Rainha do Céu da Campina, assim com a cidade que lhe dá nome e faz aniversário nesta mesma data, Campina Grande, tem uma população flutuante. Por ter uma característica de ser uma das maiores cidades do interior do Nordeste e por ser destino de muitos estudantes que vão para Campina Grande para as universidades e depois seguem suas jornadas em outros rumos, é uma característica que também acentua as fileiras do Céu da Campina.
Não temos como dizer ou estimar quantas pessoas já se fardaram, que significa aderir formalmente a religião, no Céu da Campina, o que sabemos dizer é que já são muitas estrelas que brilham aqui e em outros Céus do Santo Daime. E nessa hora festiva saudamos e damos vivas aos nossos guias, os mentores espirituais desta casa de cura e a todos e todas que aqui estão e por aqui passaram, trabalhando para o próprio desenvolvimento espiritual e em prol da irmandade. Nossa casa está na história e nas memórias de muitas famílias, pois na sede atual e nas anteriores nos sítios de Roberto e Pollyana, Mércia e família e Ivone e Júnior, foram celebrados ritos de passagem como casamentos, batizados e mesmo ritos fúnebres de entes queridos. Estes espaços, até hoje, são fonte sagrada do nosso reinado por habitarem plantações de Jagube e folha Rainha e pelas memórias do que foi vivido.
A balança do tempo já pesou muitas vezes nessa casa, centro de desenvolvimento espiritual na luz do Santo Daime e ao som de seus hinos, cânticos sagrados que contam momentos de alegria e graça, mas também fortes passagens de cura e provações passadas nas vidas dos seguidores e na história da própria igreja. Essa casa enfrenta os anos com resistência em manter acesa a chama dessa tradição religiosa, celebrar os dias indicados em nosso calendário ritual, buscando produzir uma bebida sacramental de qualidades e seguindo as recomendações doutrinárias e principalmente acolhendo quem chega, e atendendo quem precisa, dentro é claro dos limites e condições humanas e sociais a que nos encontramos, acertando, errando e aprendendo.
Cultivamos a virtude da firmeza, tão exaltada em nossa doutrina e buscada na execução dos rituais, firmeza por vezes árida, quente e seca e por vezes fluida e graciosa como o correr das águas, assim como nossas terras nordestinas, nesta Campina ornada se pode observar e desfrutar diferentes paisagens. Tem momentos de casa cheia e outros nem tanto, mas com o tempo aprendemos que assim como o mar, tem marés cheias, marés secas, tempo agitando e marés mais mansas, vamos navegando confiando na firmeza do Mestre Irineu que está no leme e na sua Bússola, nossa guia e padroeira Nossa Senhora da Conceição.
Nesta alegria, seguimos cantando e recebendo as novas estrelas que estão para chegar. Sentindo o perfume e colorido das flores que aqui colhemos nesse aniversário e agradecendo a quem abriu caminhos, arou a terra e plantou as sementes dos frutos que estamos colhendo e vamos colher. Honramos desde nossos ancestrais vegetalistas amazônicos, e todos que receberam a missão da doutrina e seguraram firme esta bandeira até chegar aqui nesta Campina Paraibana em 1993, no encontro da Nova Consciência, espaço que desde essa data que se tornou um marco mítico da entrada do Santo Daime no campo religioso da Paraíba e formalmente no nordeste, lá estamos todos os anos como um rito, celebrando e apresentando a mensagem do Santo Daime a quem quiser e puder escutar.
Damos viva e desejamos muita saúde e prosperidade a todos e todas que aqui estiveram, e principalmente aos que aqui estão e já animados pelos que vão chegar na colheita sagrada do Mestre Irineu e do Padrinho Sebastião. Lembramos e damos viva a todas a comitivas, padrinho e madrinhas que aqui passaram trazendo seus ensinos. E agradecemos a vida do nosso patrono Alex Polari de Alverga, que nessa data faz 69 anos e sua Companheira Madrinha Sônia que completou 70 anos com muito vigor e sabedoria, e sempre nos visitam. E de modo especial, agradecemos ao dirigente espiritual de nossa Casa, nosso Padrinho Rômulo Azevedo por dedicar seu tempo, força e coragem a esta missão.
Viva o Céu da Campina!
Viva toda irmandade!
“No Reino encantado de amor/na Paraíba eu vi brilhar o resplendor do Santo Daime/Todos irmão e irmãs que aqui chegarem/ no Santo Daime vão ver tilintar as luzes da floresta/Oh minha Mãe que brilha no Céu, na terra e resplandece no mar/ Ilumine a nossa festa (…)”
Dávila Andrade
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