Uma crônica que não chega a ser um obituário

       Quero prestar aqui uma homenagem ao meu querido irmão, afilhado e amigo Roberto Castro, que fez sua passagem esta madrugada de 21 de abril de 2020.

       Nos obituários, costumamos, enaltecer os grandes feitos daqueles que retornam à Mãe Terra, mesmo que nem sempre estes sejam totalmente merecidos. E isto é muito bom, pois é uma forma da posteridade guardar o que cada um fez e tem de melhor ao se despedir dos seus entes queridos…               Mesmo levando em conta o papel de destaque que Roberto teve para o início do Santo Daime na Paraíba e a posterior evolução da Doutrina no Nordeste, não quero aqui ressaltar este seu papel tão importante quanto merecido. Outros estão fazendo justamente isto. Então ao invés de uma homenagem fúnebre, talvez este texto seja apenas uma crônica singela. Quero lembrar aqui o amigo, companheiro e afinal de contas, conterrâneo. Lembrar dele como na realidade ele foi, com seus altos e baixos, como todos nós.
       Mesmo que algumas vezes fosse capaz de se enfezar (comigo, nunca!), a generosidade era seu traço mais marcante. Cabra bom de cultivar a amizade, como todo bom nordestino que se preze. Em alguns momentos mais difíceis, nos balanços e nos apuros que a vida nos reserva, nesta grande luta que é a união da nossa grande família espiritual, sempre que alguma coisa desafinava, mais cedo ou mais tarde ele dava um sinal de paz e voltava àquela postura que lhe ficou característica: os olhos claros grandes arregalados, a fala mansa e pausada.
       Eu testemunhei a segunda vez que o Roberto tomou o Santo Daime. Foi num trabalho muito forte que fizemos em Natal, acho que logo em seguida àquele de Queimadas na Paraíba. Eu digo com toda certeza, nestes quase 40 anos de Daime que foi uma das maiores peias e sofrimentos que eu já vi alguém passar! Quando terminou o trabalho fui vê-lo e pensei: “- esse cara nunca mais volta aqui…

       Mas prá minha surpresa, na próxima cerimônia que fiz, lá estava o Roberto meio assustado mais firme. Logo se fardou, abrindo seu grande coração e sua própria casa para receber esta semente da floresta amazônica em terras nordestinas. Sua garagem virou uma igreja, seu sítio um reinado, sua casa nossa hospedaria. Foi lá que surgiu também a primeira casinha de feitio, onde tempos depois cozinhamos o primeiro daime com cipó do Nordeste, que saiu meio salgadinho por causa da água salobra. A gente dizia: sotaque nordestino…tinha um gostinho diferente mas a miração era boa!
       De 1993 prá cá, quase todos os anos, nas minhas visitas às igrejas do Nordeste, eu passava pelo seu sítio. Ele ficava bem próximo onde hoje se localiza a igreja atual do Céu da Campina em Lagoa Seca, Paraíba. Como a agenda era sempre apertada e a conversa depois dos trabalhos pouca, devido ao adiantado da hora, ele sempre me chamava prá dar uma passada na casa dele, “pra tomar um café” e prosear um pouco antes de seguir viagem…”- inha Nossa Senhora! O “cafezinho”constava de: cuscuz com leite de coco, paçoca de carne, inhame e cará cozido com manteiga de garrafa, pamonha, canjica, tapioca, queijo de coalho assado, carne de sol com macaxeira e por ai ia! Que ele mesmo nos servia, com ares de maitree sem aceitar escusas. Eu sempre dizia: “-Mas Roberto, você me chamou prá um café da manhã… eu fiquei de ir almoçar lá em Recife”…E ele, com aquele olhão arregalado e a voz macia: “ Nada padrinho…come aí homem…”

(Céu da Campina – 2018)

        Coincidentemente hoje, no dia da sua passagem, eu estava vendo cenas do documentário sobre os 25 anos do Céu da Campina onde o Roberto aparece em vários momentos. Cenas antigas de várias visitas em família, pois nesta época nossa comitiva reunia todos filhos e filhas. Guardo com muito carinho o profundo amor e consideração que ele e a sua companheira Poliana nutriam por todos nós. Pois este é um tipo de conexão que se mantém, além dos fatos e de qualquer biografia. Talvez seja a melhor forma de sentir a presença daquele que parte e também, por onde quer que ele esteja (sem entrar no mérito de nenhuma metafísica), ele também se sinta lembrado. O que vem e vai do coração fica e ultrapassa o tempo.
        Guardo as lembranças do nosso último encontro no ano passado, quando depois do suntuoso café da manhã fomos olhar os jagubes e falamos sobre um próximo feitio…

Que o Mestre e a Virgem Mãe console sua família.

Por enquanto ficamos por aqui, pedindo e rogando por você, por nós e por todos, nestes tempos tão difíceis.


Alex Polari de Alverga e família

Céu da Campina

Santo Daime – PB
Sítio Gruta Funda S/N Zona Rural
 Lagoa Seca – PB
58 117 – 000 – Brasil
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Desenvolvedora – Larrissa Dantas

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Conteúdo – Milena Moreira    

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